Entrevista: Sandra Montebello, Fundação Pró-Sangue

Sempre às vésperas de um feriado prolongado a Secretaria da Saúde de São Paulo faz uma campanha para que as pessoas doem sangue. Normalmente acontecem nessa época porque o insistente baixo estoque de sangue é sempre mais necessário nesses dias em que acontecem muito mais acidentes. Mas não é só nos feriados que as campanhas rolam não, a secretaria sempre se esforça na busca por pessoas voluntárias que queiram ajudar o próximo.


Eu era doadora de sangue. Doei umas seis ou sete vezes. Teve um ano que fiquei sem doar porque descobri uma anemia meio grave. Tive que tratar e me afastar das bolsas de sangue. Uma outra vez fiquei de fora por mais um ano, pois tinha feito uma tatuagem [sim, eu tenho uma! :)]. Enfim, quando nos tatuamos temos que ficar um ano sem doar. Eu estava obedecendo e quanto o período acabou, veio a correria da vida e quando tudo se acalmou eu descobri a Diabetes.


Aí vi o filme da campanha e me perguntei: uma pessoa com Diabetes pode doar sangue?

Comecei a pesquisar na internet e até descobri quais as restrições para os diabéticos, mas era tudo muito vago. E foi nesse momento que eu tive a ideia de entrevistar alguém da área. E conheci a Sandra Montebello, hematologista e hemoterapeuta da Fundação Pró-Sangue, da Secretaria Estadual da Saúde.


Deliciem-se com a entrevista super simpática que ela concedeu para esse singelo blog:


Luana Alves: Uma pessoa que tem Diabetes, não importando o tipo, pode doar sangue?


Sandra Montebello: Ela pode doar se preencher algumas condições. Para nós, uma das coisas é o tipo, mas o tipo está relacionado especificamente com a medicação que ela usa. O Diabetes que requer o medicamento com insulina impede a doação.


Luana Alves: Então, nenhum tipo 1 pode doar, já que este tipo exige insulina?


Sandra Montebello: Isso, são todos insulinodepentes.


Luana Alves: Agora, aquele que se trata só com antidiabético oral pode doar?


Sandra Montebello: Pode doar se ele estiver bem controlado e não mudou a medicação na última semana. Perguntamos: a medicação é a mesma já há um ou dois meses? Já estabilizou o controle? Se sim, pode doar nessas condições. Mas tem mais algumas outras coisas que observamos: se tem algum problema vascular ou nenhuma complicação que a Diabetes provoca.


Luana Alves: E por que uma pessoa que usa insulina não pode doar? O sangue dela pode oferecer algum risco a quem recebe ou o risco é para ela mesmo?


Sandra Montebello: É uma proteção para ela, porque o Diabetes tipo 1 tem mais chances de ter todas as complicações vasculares provocadas pela Diabetes. Além disso, ele tem uma labilidade maior em termos de controle da glicemia. Quer dizer, o Diabetes tipo 1, às vezes, por causa do uso da insulina, pode ter uma hipoglicemia mais importante em um dia em que ele não se alimenta direito. Já com o hipoglicemiante oral isso não acontece. Não é pela uso da insulina, mas pelo risco maior que a pessoa que toma insulina pode ter. É proteção ao doador e não ao receptor. Tanto que quem já tomou insulina, depois parou de tomar e está com o quadro controlado pode doar sangue. É o caso do diabético tipo 2 que recebeu insulina no início do tratamento ou da Diabetes Gestacional, no qual a gestante toma insulina durante a gestação. Resumindo, se a pessoa está sem insulina há quatro semanas já pode doar sangue.


Luana Alves: Isso é muito interessante. Porque nas minhas pesquisas, eu cheguei a ler em uma site que uma pessoa com Diabetes que tenha tomado insulina uma única vez não poderia mais doar sangue. O que não é verdade, afinal uma pessoa que já parou de tomar a mais de um mês já pode doar. Por que este tipo de confusão?


Sandra Montebello: Eu vou até explicar melhor, porque nós já tivemos problemas com isso. Existe uma legislação que estava em vigor que apontava as doenças que não poderiam doar sangue. Era a RDC 153 de 14 de junho de 2004. Essa RDC [Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária] estava em vigor, mas uma portaria nova do Ministério da Saúde a revogou, e nós estamos agora aguardando a versão nova com os critérios de triagem para doadores de sangue. Nesta portaria antiga, nós tínhamos uma lista de doenças que impedem a doação como a Diabetes tipo 1, além de uma lista de medicamentos. Nesta estava que usuários de insulina não podem doar. Então se interpretava isso como “tomou insulina uma vez não pode doar sangue nunca mais”. Mas a interpretação não é essa, entende-se isso porque a insulina normalmente está associada ao Diabetes tipo 1. O que não pode doar é o Diabetes tipo 1, que é dependente das injeções. A pessoa que tomou insulina para um controle inicial do Diabetes tipo 2 ou do Diabetes Gestacional, do ponto de vista médico, pode doar sangue, desde que controlada com hipoglicemiantes orais ou somente com dieta.


Luana Alves: A RDC foi revogada quando?


Sandra Montebello: Foi agora em dezembro. Só que ela foi revogada e o que entrou no lugar é uma coisa mais resumida. Eles não detalham doenças nem medicamentos. E a gente está esperando esse detalhamento que estava prometido para o começo de março, mas que ainda não saiu.


Luana Alves: Quanto a mudanças na legislação podemos considerar que muita coisa pode estar por vir? Antes da RDC 153, o tipo 2 já podia doar ou é uma coisa mais recente? Podemos esperar mais mudanças?


Sandra Montebello: Eu não sei dizer com certeza com relação ao Diabetes tipo 2, a modificação que teve. Eu não posso afirmar se antes de 2004 a legislação permitia, eu acho que não, mas não tenho certeza. Agora, essas legislações demoram para mudar, elas às vezes demoram seis, sete, oito anos. E na prática a gente vai vendo que realmente a legislação no começo é muito mais restritiva tanto para proteger o doador quanto para proteger o receptor. Conforme o tempo vai passando, você vai adquirindo mais experiência, estudos vão sendo feitos internacional e nacionalmente e aí se vê que não tem problema. Por exemplo, a idade do doador atualmente. Nessa RDC que foi revogada era até 65 anos, mas tem gente discutindo isso, porque tem doadores que doaram a vida toda e chegam aos 65 anos ótimos ainda, ou seja, eles tem condições de continuar doando, mas pela legislação não podem. Então o que você vai adquirindo, a sua experiência, anda na frente da legislação. E a legislação limita a gente. Isso é assim tanto no Brasil quanto lá fora.



A RDC nº 153, de 14 de junho de 2004, determina o regulamento técnico paras os procedimentos hemoterápicos, ou seja, para doação de sangue. Ela revogou a RDC nº 343, de 13 de dezembro de 2002, sobre o mesmo tema. Basicamente, a diferença entre as duas, no que nos interessa aqui, é que na 343 a Diabetes (sem especificação de tipo) é definida como uma das principais causas de inaptidão definitiva para doação de sangue. Além disso, determina que a insulina impede em definitivo a doação de sangue. Já na 153, somente a Diabetes tipo 1 e a tipo 2 com lesão vascular são vistas como causas de inaptidão definitiva para a doação. Enquanto, a tipo 2 descontrolada é apontada como inaptidão temporária até que esteja sob controle. Sobre a insulina, a informação continua sendo a mesma.


Luana Alves: Uma outra dúvida: se eu tenho Diabetes e doei sangue. A pessoa que receber o meu sangue pode desenvolver a Diabetes ou ela não corre risco nenhum?


Sandra Montebello: Não corre risco nenhum, nem a Diabetes tipo 1 que tem um histórico genético nem o tipo 2. Em relação ao Diabetes, especificamente, a medida de proteção é mesmo para o doador.


Luana Alves: E para finalizar, você acha que o fato de as pessoas que tem diabetes não saberem que podem doar diminui muito o número de doadores, considerando o tanto de diabéticos tipo 2 que tem no Brasil? Haveria um impacto no número de doadores se a informação fosse mais veiculada?


Sandra Montebello: Eu não sei se seria um impacto muito grande, mas é lógico que aumentar um pouco o nosso pool de doadores é sempre desejável até porque a gente tem muitas restrições ainda. Às vezes os doadores falam: “mas puxa tem tanta restrição para doar”. Então, tirar algumas restrições ajuda e realmente diabetes tipo 2 é uma coisa grande, mas eu não sei a prevalência exata do tipo 2 no Brasil. Sem falar que há as pessoas que sabem, e uma grande maioria que nem sabe que é portador da doença.


No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, estima-se que existam cerca de 11 milhões de portadores de diabetes, sendo que 7,5 milhões já sabem que têm a doença. Desses, mais de 90% são portadores do tipo 2.


Espero que tenham gostado!


Bjinhus

Luana Alves

Tenho mania de escrever e de ver sempre o lado bom das coisas. Com diabetes desde 2010, acredito que uma vida controlada e divertida é possível sim. Jornalista, creio que posso ajudar os outros a acreditar também. Que saber mais sobre mim? Clica aqui!

Um comentário:

  1. Tem algum lugar para acessar para localizar doadores de insulina Lantis tenho algum insumo para doar

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